27 novembro, 2006

Gramsci e a disputa política no Brasil


HEGEMONIA E LUTA DE CLASSES NA DISPUTA POLÍTICA BRASILEIRA

A concepção de hegemonia em Gramsci pode servir como um bom referencial teórico para analisar o momento atual da vida política nacional.


Assistimos a uma batalha sem tréguas,uma luta encarniçada que parece não ter fim no cenário político nacional. Essa luta será mais ou menos duradoura, dependendo do que está em jogo. Entretanto, essa contenda longe de ser vista como uma trama tipicamente verde amarela de uma elite conservadora que disputou a presidência e o controle político das unidades da federação, deve ser encarada como parte de um processo de luta entre classes.
Vários referenciais teóricos podem ser utilizados numa primeira análise do cenário político atual e, certamente, teremos muito que discutir e associar teoricamente ao resultado eleitoral e a projeções conjunturais diferenciadas.
Neste sentido, se tomarmos como referência teórica, por exemplo, a visão Gramsciana, para discutir o processo de disputa política no Brasil, podemos aprofundar um bom debate sobre a luta de classes, para isso é indispensável compreender o que Gramsci classificou, com muita propriedade, de construção da hegemonia e do bloco histórico na conformação de forças na sociedade.
Para Gramsci, o conceito de hegemonia caracteriza a liderança cultural- ideológica de uma classe sobre as outras. As formas históricas da hegemonia nem sempre são as mesmas e variam conforme a natureza das forças sociais que a exercem. Um bom exemplo disso, dentro do capitalismo, é o período em que o neoliberalismo impôs sua agenda de privatização e Estado mínimo nos anos 90, onde quem apresentava opiniões discordantes era imediatamente classificado como dinossauro ou outros adjetivos pejorativos no espectro político-ideológico.
A constituição de uma hegemonia é um processo historicamente longo, que ocupa os diversos espaços da superestrutura. Para Gramsci, a hegemonia pode (e deve) ser preparada por uma classe que lidera a constituição de um bloco histórico (ampla e durável aliança de classes e segmentos), que se forma a partir do momento em que os interesses comuns ou aproximados se coadunam num projeto de sociedade. A modificação da estrutura social deve preceder uma revolução cultural que, progressivamente, incorpore camadas e grupos ao movimento racional de emancipação. Porém, haverá, em contrapartida, a busca da manutenção do status quo pelo grupo hegemônico.
Os blocos disputam a hegemonia através de duas esferas, que para Gramsci compõem o Estado: a sociedade Política, que compreende o conjunto de órgãos, instituições e aparelhos coercitivos e; a sociedade Civil, que representa as instituições e organismos responsáveis pela elaboração e manifestação de idéias nas mais diversas formas. Logo, o Estado se caracteriza por: sociedade Política + sociedade Civil.
Sociedade civil e sociedade política diferenciam-se pelas funções que exercem na organização da vida cotidiana e, mais especificamente, na articulação e na reprodução das relações de poder. Enquanto na sociedade política o aparelho repressor se encarrega da manutenção do arcabouço que justifica a dominação de uma classe sobre as outras: como leis, costumes, mas, sobretudo se mantém através da coerção. Na sociedade Civil, as classes procuram ganhar aliados para seus projetos através da direção e do consenso. Enquanto a sociedade política tem seus portadores materiais nos aparelhos coercitivos de Estado, na sociedade civil operam os aparelhos privados de hegemonia (organismos relativamente autônomos, como a imprensa, os partidos políticos, os sindicatos, as associações, a escola privada e a Igreja). Tais aparelhos, gerados pelas lutas de massa ou necessidades humanas históricas, estão empenhados em obter o consenso como condição indispensável à dominação.
Portanto, a hegemonia pode (ou deve) ser exercida por meio desses organismos que funcionam como uma espécie de “correia de transmissão” de idéias dos blocos detentores da hegemonia ou contra-hegemônicos numa sociedade de classes.
O que pode determinar a correlação de forças e estabelecer uma hegemonia é a capacidade que cada classe tem em concertar o seu projeto junto às demais classes do seu bloco histórico e mesmo transcender suas idéias para um contingente mais amplo quanto for possível, ou seja, transformar seu pensamento em consenso ou hegemônico.
Devemos observar que ao lado dos embates constantes, travados entre explorados e exploradores, existem sempre idéias que passam despercebidas, mas, que trazem consigo traços marcantes da ideologia dominante. Enquanto perdurarem essas idéias, existirá a necessidade de luta contra-hegemônica das classes subjugadas e em contrapartida a tentativa de manutenção desse pensamento hegemônico.
No Brasil, em que pese o significativo avanço dado pelas forças democráticas e progressistas, a ideologia dominante continua sendo a que foi construída ao longo dos tempos pelos detentores do capital, na qual a preservação do domínio passa pela eternização dos direitos sagrados que protegem a propriedade privada, como também os dispositivos econômicos e legais que “legitimam” o status quo. Isso inclui, desde a conservação da estrutura fundiária até a adoção de políticas macroeconômicas nas relações de mercado. Portanto, o pensamento hegemônico, hoje, no Brasil ainda é o (neo) liberal.
A disputa de dois projetos no âmbito nacional, ainda que não sejam ideologicamente opostos, traz à luz conflitos nítidos de interesses antagônicos e isso faz reacender a esperança na possibilidade de mudanças que são comparáveis a outros momentos importantes da nossa história, como a abolição da escravatura, a redemocratização pós-ditadura militar e outros, em que o ideário popular conseguiu enxergar representação e materialização de seus anseios.
Todavia, esse confronto por si só, não é capaz de criar uma conformação de forças que implique numa alteração da hegemonia estabelecida, contudo, pode representar a constituição de blocos mais nítidos, no sentido da construção do Bloco Histórico, definido no conceito gramsciano. Onde as classes se aglutinam em torno de interesses comuns na disputa pela hegemonia.
A eleição de 2006, foi uma demonstração do quanto dividido está o povo brasileiro na identificação dos projetos apresentados para o país, nos quais foram ficando claras as opções de cada um dos lados. Ou seja, enquanto, um dos projetos apontava para o atendimento dos anseios da imensa maioria do povo, o outro (re)produziu uma plataforma que aprofundaria as desigualdades sócio-econômicas, regionais, etc.
Se a partir desse pleito eleitoral a sociedade brasileira vai continuar dividida conjunturalmente, ou se essa divisão desaguará na conformação do chamado bloco histórico identificado por Gramsci, só o tempo e a luta de classes será capaz de dizer. Por enquanto, o que fica é a impressão de que o país que sai das urnas tem dois conjuntos de forças com feições e interesses distintos, um popular-democrático e outro elitista-conservador. Aos marxistas resta a tarefa de impulsionar a luta de idéias na perspectiva de construção de um novo Brasil, sem desigualdades sociais, regionais ou étnicas, um Brasil soberano e justo. Para isso é fundamental estabelecer o combate ideológico ao neoliberalismo nas suas mais variadas formas, arregimentando um grande número de forças que se identifiquem com um novo projeto desenvolvimentista, voltado ao atendimento dos anseios presentes e futuros da imensa maioria do povo e, que estejam dispostas a derrotar a hegemonia neoliberal. Disputar a hegemonia política e ideológica na sociedade brasileira é imperativo para fazer avançar a luta de classes e a consciência em nosso país. Daniel Max